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O novo controle do Xbox e por que os videogames precisam ser acessíveis

Sob uma superfície branca estão dispostos 12 objetos do universo de videogame - entre controles, acionadores, fone de ouvido, pedal, manche - no centro da imagem está o Adaptive controller. É um retângulo branco com dois botões grandes, redondos e pretos. A esquerda há 4 botões redondos menores, e um botão em formato de cruz, conhecido como direcional.

Videogames proporcionam experiências audiovisuais interativas fantásticas e eu sou completamente apaixonado por eles. Cresci com um controle nas mãos e ainda hoje dedico algumas horas por semana para este hobby. Eu acompanhei de perto toda a evolução dos jogos, do gráfico horrível do Atari à realidade virtual do Playstation 4. No entanto um detalhe me incomoda: os jogos (ainda) não são para todos.

Você acha que conseguiria jogar videogame sem usar as mãos? E sem ver o que está passando na tela ou ouvir os sons, será que daria para entender o jogo? Apesar de você poder achar que a resposta é “não”, o certo seria dizer “tem bastante gente trabalhando para isso ser possível”.

A Microsoft, por exemplo, quer deixar os videogames mais acessíveis. E isso não vem de agora, já faz alguns anos que eles estão investindo nessa empreitada. Em 2015, por exemplo, eles lançaram a iniciativa Gaming for Everyone, para estudar novas formas de deixar não apenas os jogos, como também a maneira de os jogar mais acessíveis. Agora temos um novo lançamento que é fruto desse trabalho: o Adaptive Controller.

O Adaptive Controler visto por trás: 19 entradas que permitem ao usuário conectar um aparato personalizado diferente para substituir cada um dos 19 botões do controle original.

Apesar de parecer, pela foto, apenas um grande de videogame com dois botões gigantes, o Adaptive Controller é muito mais do que isso. Ele permite que você conecte aparatos, dispositivos e acionadores que servem como alternativas aos 19 botões (e manches) do controle original do Xbox, como botões acionáveis pelo pé, pela perna ou pela cabeça, manetes controláveis pela boca ou pernas, etc. Desta forma, cada pessoa com alguma deficiência física ou motora pode criar e personalizar a maneira como vai jogar videogame.

Bem, mas o que exatamente isso significa para o mundo dos games (e da acessibilidade) e como essa inovação foi pensada?

Por que videogames precisam ser acessíveis

Videogames são muito mais do que apenas diversão. E, mesmo que fossem só isso, já estaria de bom tamanho deixá-los acessíveis, não é mesmo? O fato de todos poderem consumir jogos eletrônicos, mesmo que de maneiras diferentes, representa uma baita inclusão – estamos falando literalmente de Gaming for Everyone.

Corey e Zachary, irmãos gêmeos que cresceram jogando videogame juntos até Corey sofrer um acidente sério. Hoje Corey utiliza o Adaptive Controller para poder jogar com o irmão.

Jogos têm uma importância social muito grande. Eles permitem a integração entre amigos ou até desconhecidos pela internet – pessoas que você não falaria de outra forma senão através do  videogame. Fazer parte de uma comunidade online, o sentimento de pertencimento dentro da cultura gamer. Poder compartilhar a sua jogatina ao vivo pela Twitch ou pelo YouTube. E, claro, fazer parte de tudo isso representa a inclusão em um grupo social que só é possível fazer parte se o videogame não for excludente em relação a pessoas com deficiência.

Para alguns, o videogame pode representar também uma fuga da realidade. Transportar uma pessoa de um quarto de hospital, uma dor crônica, uma doença debilitante, para um outro mundo onde ela possa encarnar personagens e viver aventuras por algumas horas no dia.

Nada sobre nós sem nós – e uma sala de testes incrível!

Um dos posicionamentos da Microsoft em relação aos seus novos produtos, dos quais o Adaptive Controller foi o primeiro a ser lançado, é atender a jogadores e usuários com diferentes habilidades. O diferencial dessa proposta é que ao invés de tentar apenas entender o que os jogadores com deficiência não conseguem fazer por causa das limitações do controle original, eles focaram em descobrir de que outras maneiras eles conseguiriam.

Uma das áreas do Tech Lab, onde gamers com deficiência, desenvolvedores e o público em geral podem testar os jogos com controles adaptados ou até tentar jogar sem ver a tela.

E o mais legal de tudo é que o projeto de fato contou com o apoio de diversas organizações ao redor do mundo como The AbleGamersThe Cerebral Palsy FoundationCraig HospitalSpecialEffect e Warfighter Engaged (que vamos falar mais pra frente). “Trabalhamos bem próximos deles e diretamente com jogadores com mobilidade limitada, para ajudarem em nosso desenvolvimento”, disse Phil Spencer, que encabeça o time do Xbox na Microsoft.

Para isso, eles criaram o Inclusive Tech Lab, um verdadeiro laboratório de soluções assistivas para games onde, segundo Bryce Johnson, designer sênior do Xbox, “todos podem se divertir”. Lá eles recebem jogadores com deficiência, para entenderem como eles jogam e ouvir seus feedbacks, desenvolvedores que querem conhecer as tecnologias e o público em geral, que pode testar tudo. A ideia é inspirar, informar e criar empatia.

Por que o Adaptive Controller é um marco da acessibilidade nos videogames?

Existem diversas ongs ao redor do mundo que se dedicam a ajudar pessoas com deficiência a jogar videogames. A SpecialEffect e a AbleGamers, por exemplo, são especialistas em criar modificações personalizadas de controles para quem quer jogar com os pés, com uma mão, com os olhos ou até com a voz. A Warfighter Engaged é uma empresa dedicada a criar controles adaptados para que soldados feridos ou incapacitados em guerra possam voltar a jogar.

George Dowell, um dos beneficiários da SpecialEffect, testando o Adaptive Controller com alguns acionadores personalizados para ele.

Se já existem empresas que fazem isso, por que o Adaptive Controller é tão importante? Para começar, ele é o primeiro controle oficial para videogame criado para o público com deficiência. Além disso, ele veio para facilitar e melhorar a compatibilidade de dispositivos de terceiros (os botões e controladores criados pelas organizações acima citadas) com os jogos do Xbox. Ou seja, ele endossa e oficializa iniciativas de acessibilidade para games.

Ajudando pessoas a jogar ou transformando os videogames?

O novo controle do Xbox é muito bacana, mas que de nada serviria se os jogos não estivessem sendo criados com a intenção de serem inclusivos. Por isso a Microsoft criou uma série de diretrizes para ajudar os desenvolvedores com a acessibilidade dos jogos. Entre elas, a criação de legendas e closed captions, testes de fotosensitividade, transcrição das conversas no jogo, feedbacks sonoros, controles completamente personalizáveis, mais níveis de dificuldade, etc.

Será que o futuro dos games é acessível e inclusivo?

Uma das recomendações da Microsoft para a criação de games mais acessíveis é: seja criativo. E este tem sido justamente o maior trunfo da indústria dos games desde o começo: os desenvolvedores sempre precisaram ser criativos para inventar novas maneiras de jogar, novas tecnologias gráficas, etc. Saber que estar pessoas estão também pensando em soluções acessíveis é realmente animador, não acha?

Além disso, os desenvolvedores também estão percebendo a importância da representatividade de pessoas com deficiência nos games. É o caso de Moss, um jogo para Playstation 4 onde o jogador precisa resolver uma série de desafios e enigmas acompanhado de Quill, uma ratinha que se comunica por língua americana de sinais (ASL)  ao dar dicas ou expressar seus sentimentos. Outro caso legal é dos avatares do Xbox (os bonequinhos que você cria no seu perfil do videogame), que agora contemplam, entre outras características, cadeiras de rodas e próteses.

O vídeo abaixo mostra a ratinha Quill, de Moss, falando “É um prazer te conhecer, o meu nome é Quill” em língua americana de sinais.

Um jogo que conseguiu juntar a acessibilidade e a inclusão com muita criatividade foi A Blind Legend, o primeiro jogo de ação e aventura que não usa vídeo. Ele é uma experiência áudio-sensorial que utiliza a tecnologia de som 3D para criar a ambiência do jogo enquanto você encarna a pele de Edward Blake, um cavaleiro cego. Será que você conseguiria jogar este game sem olhar para a tela? Bem, esta é, na verdade, a recomendação dos seus criadores.

O que você pode aprender com este Case

Criar um produto para atender um nicho do público é uma decisão de negócio desafiadora em qualquer empresa, não importa o setor. Só para você ter uma ideia, a própria Microsoft, que agora está fazendo coisas tão bacanas pela acessibilidade dos games, assumidamente atrasou o lançamento do Adaptive Controller para se dedicar ao novo Xbox One X, um projeto mais lucrativo.

Porém, é preciso bater o pé e entender a importância desse investimento, cujo retorno vai muito além do aspecto financeiro. Se eu, que nem crio jogos, já me incomodo por eles não serem para todos, você deveria se incomodar se as coisas que você cria (produtos, marcas, campanhas publicitárias, conteúdos audiovisuais ou até mesmo jogos) não forem acessíveis! 😉

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