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Como o Dia dos Namorados bate no coração e no bolso de (todos?) os casais

Aviso: Os exemplos dados no texto usam homem e mulher fazendo referência a um casal, mas você pode ler com o gênero que preferir. Todos se aplicam 🙂

Dia 12 de junho é uma data para celebrar o amor. Mas também é o dia responsável pelo aumento de 30% no faturamento dos bares e restaurantes, 10% no comércio eletrônico, 20% no setor de motéis, 15% no setor de sex shops compondo uma injeção de até R$15,6 bilhões na economia. O Dia dos Namorados é, certamente, uma das melhores datas do setor comercial para a realização de promoções de vendas. No primeiro semestre, sobretudo, essa data comemorativa só perde em faturamento para o Dia das Mães. Mas será que todos os apaixonados podem participar e aproveitar plenamente essas ofertas?

Quebrando o tabu: vamos nos despir dos preconceitos

Para falarmos da participação da pessoa com deficiência nas promoções de dia dos namorados é preciso desconstruir uma barreira importante de reconhecer a pessoa como alguém “namorável” – isso passa pela percepção de pessoa, de gênero, de sujeito, de cidadão, de parceiro, de amigo, de amante, de companheiro de vida – e plenamente participante de um relacionamento, com tudo incluso: declarações, rotina, viagens, brigas, prazer, etc.

Para atingirmos o ideal de sociedade inclusiva ainda temos que avançar muito, e o primeiro passo é quebrar os mitos existentes:

  1. pessoas com deficiência são assexuadas: não têm sentimentos, pensamentos e necessidades sexuais;
  2. pessoas com deficiência são hiperssexuadas: seus desejos são incontroláveis e exacerbados;
  3. pessoas com deficiência são pouco atraentes, indesejáveis e incapazes para manter um relacionamento amoroso e sexual;
  4. pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo normal e têm disfunções sexuais relacionadas ao desejo, à excitação e ao orgasmo;
  5. a reprodução para pessoas com deficiência é sempre problemática porque são pessoas estéreis, geram filhos com deficiência ou não têm condições de cuidar deles.

Esses mitos, além de gerar preconceitos desastrosos, acabam reforçando também abordagens estereotipadas que costumam recair sobre qualquer tema quando aplicado à pessoa com deficiência: o Coitadismo, o Super-Heroísmo e agora somando também a Infantilização – diferentes facetas do Capacitismo.

Visualizem a seguinte cena: uma mulher senta-se num restaurante chique com seu namorado para um jantar romântico e o garçom, na hora de retirar o pedido afaga seu cocoruto dizendo com uma voz fina “ai que belezinha, que bonitinha ela, veio no passeiozinho né?” imagina que agradável, só que não. Se essa situação parece um absurdo quando imaginamos a cena com um casal sem deficiência, por que ela passaria a fazer sentido se a personagem tivesse síndrome de down, ou estivesse numa cadeira de rodas ou segurando uma bengala branca, por exemplo? (Dica: continua sendo um absurdo)

Como estamos falando de casais, essa dupla pode ser formada por duas pessoas sem deficiência, duas pessoas com deficiência ou uma pessoa com e outra sem deficiência. É aí que a porteira do capacitismo se abre com os primeiros comentários “Ela é tão bonita, pena que é surda” ou “Ele é um partidão, apesar de ser cadeirante” indo para o “super-heroísmo reverso” direcionado a pessoa sem deficiência, como conta Michele Simões:

Acho tão absurda essa mania que as pessoas têm de classificar os relacionamentos com a mesma lógica de animais de raça, onde o importante é manter as mesmas características para uma linhagem pura. Então imagina o susto quando eu, como cadeirante, entro em um local público de mãos dadas com meu marido – o que por si só já gera um impacto e tanto, afinal ainda se acredita que deficientes não saem de casa, quanto mais se casam e têm filhos – que, para a surpresa geral da nação, anda e não é deficiente.

Após essa sequência, geralmente me deparo com um parabéns direcionado a ele, seguido da justificativa ‘não era qualquer pessoa que aceitaria essa situação, isso sim é prova de amor’”.

Michele é estilista, consultora de imagem e idealizadora do projeto Meu Corpo É Real, que visa questionar os corpos que a indústria da moda trabalha em suas produções e campanhas.

A cama também é luta 

Segundo Ana Rita de Paula, Doutora em Psicologia, especialista em direitos das pessoas com deficiência, em políticas públicas e ativista do movimento, a barreira da sexualidade é a última a ser rompida, “Significa que você já rompeu todas as anteriores”. Ela explica que essa luta – que também é política – é altamente relevante, uma vez que as discussões sobre acessibilidade e inclusão ficavam sempre voltadas, e muitas vezes restritas, aos temas de trabalho, educação e saúde.

Logo do Coletivo Sim Fodemos

Este é o foco da militância do Coletivo Sim Fodemos, um grupo de pessoas com deficiência que começou a se organizar para abrir esse debate com toda a sociedade. Segundo os organizadores:

O debate em torno desses temas, corpo, sexo, sexualidade, permite inserir as demandas das pessoas com deficiência num cenário de discussões muito mais amplo do que as discussões em torno da acessibilidade, inclusão escolar, no mercado de trabalho, e outros. Direitos inalienáveis das pessoas com deficiência, mas que não têm possibilitado que as pessoas com deficiência adentrem em discussões, debates e lutas mais amplas e radicais da sociedade brasileira, como as questões de gênero, de padrões corporais e comportamentais, orientação sexual, violência sexual e outros dessa esfera dos direitos humanos.

O Curta metragem O Corpo Deseja, idealizado e dirigido por Juliana Ribeiro, que foi exibido em um dos encontros do coletivo e trata bem essa questão. Lembrando que a causa não se aplica somente a deficiência física, mas também visual, auditiva e intelectual, essa última que sofre ainda mais barreiras dentro da própria diversidade. 

Pipas no Ar é um trabalho pioneiro na área de inclusão social e direitos humanos dirigido pelas psicólogas Lilian Galvão e Fernanda Sodelli em 2005. As oficinas de educação sexual para jovens com deficiência intelectual comprovaram a possibilidade e a necessidade de se trabalhar com pessoas que recebem poucas informações sobre tema, em conseqüência de preconceitos e pensamentos equivocados a respeito da deficiência intelectual e da sexualidade. O documentário Pipas no Ar, realizado com apoio da UNESCO, documentou estas oficinas no Carpe Diem, em São Paulo.

Sexo como AVD

Não podemos ignorar o fato de que – para a maioria das pessoas – prazer a dois é parte fundamental de um relacionamento.

A Organização Mundial da Saúde afirma que a sexualidade é um aspecto importante do bem-estar holístico e que a saúde sexual exige “uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade e das relações sexuais, bem como a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis ​​e seguras.”

É imprescindível reconhecer o sexo como AVD (Atividade de Vida Diária) no processo de reabilitação ou desenvolvimento nas terapias ao longo da vida, especialmente com profissionais de terapia ocupacional, “a fim de aumentar a capacidade do cliente em participar de atividades sexuais, treinar a atividade, desenvolver habilidades e competências, adaptações e indicação de produtos assistivos que permitam a vivência da sexualidade prazerosa, de acordo com os valores e desejo do cliente e de seu parceiro, são os principais objetivos da intervenção Terapêutica Ocupacional na sexualidade da pessoa com deficiência, de qualquer faixa etária e de qualquer nível funcional.  Isso tem um um efeito profundo na vida dessa pessoa“, segundo Dra. Maria de Mello, Terapeuta Ocupacional, Pós Doutora em Ciências da Reabilitação e Tecnologia Assistiva; Coordenadora Geral da Technocare – Soluções Assistiva, Design Universal e Acessibilidade

Mercado potencial

Mas voltemos a nossa data tão florida e comemorada de hoje. Será que os segmentos citados no início estão atentos a essas oportunidades? No Brasil existem aproximadamente 5 mil motéis. Somente na Grande São Paulo são 300 motéis e no estado 1.200 estabelecimentos. Mas no Guia de Motéis, um dos principais buscadores do segmento, somente 18 se dizem acessíveis (“Suíte com acessibilidade”) em todas as regiões do país.

Será que os bares e restaurantes estão pensando na sua estrutura física (acesso, experiência, banheiros) e no processo de reservas? Como é o cardápio? E o treinamento de sua equipe para lidar com as diferenças? 

O e-commerce é acessível a todo tipo de navegação? A escolha de um item, inserção no carrinho, cálculo de frete, finalização da compra. Funciona corretamente com o leitor de tela? E numa loja física, os atendentes estão treinados para atender todos os possíveis compradores?

Os estabelecimentos que não possuem esse olhar, certamente estão perdendo uma boa parcela do público. Que precisa se esforçar previamente para garantir uma experiência agradável.

Minhas experiências ‘positivas’ nos relacionamentos afetivos, no casos de passeios e motéis, sempre dependeu de uma boa pesquisa prévia, para evitar surpresas desagradáveis, e também muita assertividade e uma boa pitada de cara feia. São raros, raríssimos os locais plenamente acessíveis. Esses dias mesmo, ao ir visitar o SESC Paulista, constatei que os vasos sanitários são aqueles abertos no meio, e olha que o SESC segue um padrão de acessibilidade de alto nível. Mas, é importante não perder o bom humor jamais, e no caso de restaurantes e bares, pelo menos nos bairros tradicionais de vida noturna em SP, dá para encontrar locais acessíveis. Com todo o cuidado, pois muitos locais acessíveis deixam de ser acessíveis quando estão lotados. Mas, repetindo, a pesquisa prévia é fundamental. É importante ter claro e bem resolvido que não dá para ir a todos os lugares, e, no meu caso, faço questão de conforto e certeza de que vou, por exemplo, poder usar o banheiro. Quanto a motéis, é possível encontrar alguns com suítes no térreo, e como os banheiros normalmente são grandes, o problema está ‘quase’ resolvido. No último motel em que fui, a suíte ficava no térreo, pesquisei antes, a garagem era tão estreita que não consegui desembarcar, pois não era possível chegar com a cadeira de rodas ao lado do passageiro, que era a minha situação naquele momento, mesmo minha amiga tendo encostado o carro o máximo do seu lado, tendo que passar por cima de mim para desembarcar. Tivemos que dar ré e fazer o desembarque, e posterior embarque, do lado de fora da garagem. Felizmente não estava chovendo, nem tínhamos problemas em manter discrição.” Tuca Munhoz, Ativista pelos direitos das pessoas com deficiência. Ex secretário adjunto da Secretária da Pessoa com Deficiência . Assessor do Grupo de Trabalho Acessibilidade São Paulo Transportes S/A e Coordenador do Coletivo Sim Fodemos.

Com esses questionamentos e colocações desejamos um feliz dia dos namorados a TODOS !

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