Ícone do site Sondery – Acessibilidade Criativa

A importância da customização de acessórios de tecnologia assistiva e da quebra do modelo médico

Uma cadeira de rodas colorida, com encosto azul e assento marrom. Atrás dela uma explosão de cores sobre um fundo preto. Na lateral esquerda há um menu de cores para serem selecionados e uma seta conecta a opção de azul ao encosto azul da cadeira.


Um dia desses estava esperando o elevador ao lado de uma mulher com um menino de uns cinco anos. Enquanto esperávamos escutei ele dizer para a mãe que tinha achado meu “carrinho roxo” legal. Quando entrei na conversa ele ficou tímido e ela explicou que roxo é a cor preferida dele.

Essa não foi a primeira vez que uma criança ou um adulto fez um comentário do tipo ou mesmo me parou para elogiar minha cadeira de rodas. Cada vez que uma interação desse tipo acontece passo o dia reflexiva. Por que o fato de ser uma cadeira de rodas colorida chama tanto a atenção das pessoas? 

Eu sou cadeirante desde 1996. Não sei dizer quantas cadeiras de rodas tive enquanto crescia, mas todas elas ou eram da minha cor preferida do momento ou combinavam com a fase da vida que estava passando. Assim como consumidores em geral fazem com roupas, acessórios, armações de óculos e carros: escolhem os que refletem seus gostos e personalidades. 

Deveria ser natural para pessoas sem deficiência cruzar com pessoas utilizando acessórios de tecnologia assistiva que fossem a cara delas. Deveria ser natural que pessoas com deficiência utilizassem acessórios de tecnologia assistiva que tivessem tudo a ver com elas. Mas não é.

Apesar de hoje ser possível ter cadeiras de rodas cada vez mais coloridas e até de personagens de filmes e desenhos infantis, a possibilidade de customizar ou personalizar não se aplica a outros acessórios de tecnologia assistiva, como bengalas, muletas e andadores. 

“Eu trabalho com moda e como uso a bengala todo dia. Decidi customizar ela com meu estilo pra fazer parte dos meus looks e pintar de rosa. Infelizmente a tinta ficou rosa escuro, parecendo vermelho. Mas percebi que as pessoas não se davam conta que era uma bengala, demoravam mais para perceber ela depois que pintei, talvez seja pela cor que deixou mais escura e por sair do padrão.”

(Giovanna Masserra, estudante de moda e mulher com deficiência)

O que é modelo médico da deficiência

O modelo médico da deficiência é um conceito que surgiu no início do século XX, quando milhares de soldados e civis passaram a conviver com algum tipo de deficiência durante a primeira guerra mundial. 

Nele, a deficiência, que antes era encarada como um castigo divino, passou a ser vista do ponto de vista científico. Ou seja, vista como uma “doença” que impacta diretamente na qualidade de vida e na capacidade de produção de quem a possui e impede seu convívio em sociedade, portanto, que necessita de cura.

O principal objetivo desse modelo era promover a reabilitação desses indivíduos, torná-los “normais” de novo. 

Por que esse modelo está ultrapassado 

O modelo médico da deficiência está ultrapassado porque perpetua a ideia de que pessoas com e sem deficiência não podem se misturar, que todas as pessoas com deficiência são iguais e não são capazes de fazer suas próprias escolhas. 

“Eu escolho minhas roupas, calçados, cor de batom e tudo mais, por que não escolheria a cor da bengala? E digo mais, não gosto do tom de verde que escolheram pras pessoas com baixa visão.”

(Ana Gouvêa, designer de produto, especialista em acessibilidade digital e mulher com deficiência visual)

O que existe lá fora 

Recentemente, Ana Clara Schneider, fundadora e diretora executiva da Sondery, passou algumas semanas em Portland, no Oregon, e ficou impressionada não só com o número de pessoas com alguma deficiência circulando na rua, mas principalmente com a quantidade de jovens usando algum produto de tecnologia assistiva.

“O que mais me chamou a atenção foi mais no sentido de ver jovens na rua utilizando acessórios de tecnologia assistiva de diferentes tipos.” 

Para Maria Paula, fotógrafa, modelo e mulher com deficiência, a possibilidade de personalizar um acessório de tecnologia assistiva é uma forma de mostrar para a sociedade que quem precisa usar algum deles não está no fim da vida.

“Da mesma forma que a gente tatua o corpo, a gente também pode customizar nossa cadeira de rodas, nossa bengala, pra que tenha uma identificação com a gente. Por muitas vezes a sociedade viu esses equipamentos como algo de uma pessoa mais velha, que está no fim da vida e essa é uma forma de ressignificar, de mostrar que faz parte de quem nós somos.”

(Maria Paula, fotógrafa, modelo e mulher com deficiência)

Ana aproveitou a oportunidade para trazer para Ana Gouvêa e Luciana Oliveira a encomenda das tão sonhadas bengalas coloridas.

Para a consultora em acessibilidade, especialista em experiência do usuário com foco em acessibilidade digital e mulher com deficiência visual, Luciana Oliveira, a possibilidade de customizar ou não uma bengala determina o peso que ela terá para a sociedade e para a própria pessoa que vai usá-la.

“Uma bengala nunca vai ser um acessório de moda, mas poder escolher a cor, fazer uma combinação com a roupa que você está usando, dá uma conotação mais leve e menos pesada pra ela.”

Nos EUA também é comum que pais incorporem acessórios de tecnologia assistiva nas fantasias de Halloween de seus filhos, transformando cadeira de rodas e andadores em carruagens, naves espaciais, navios pirata, entre outros. 

Falando em fantasia, em 2020 a Disney lançou para o público norte-americano uma linha de fantasias adaptadas para crianças com deficiência.

Conclusão 

Espero que essa ideia se popularize logo, que lojas e marcas passem a vender acessórios de tecnologia assistiva cada vez mais bonitos para que pessoas com deficiência, que querem – e merecem – comprar esses produtos, se sintam bem com seus acessórios, assim como todo mundo. 

Sair da versão mobile