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A acessibilidade e o jeito errado de descascar banana

Imagem de um chimpanzé apontando para um quadro negro verde onde está desenhada uma banana descascada pela metade em giz amarelo.
Imagem de um chimpanzé apontando para um quadro negro verde onde está desenhada uma banana descascada pela metade em giz amarelo.

Outro dia uma amiga minha me mandou ler um texto chamado “27 coisas que você faz errado e não sabia”. Sim, era uma dessas listas que bombam na internet, mas não trazem nenhuma informação útil de verdade, como por exemplo, usar a tampa do Tic Tac para pegar uma balinha ao invés de derrubar várias direto na mão – coisa que ninguém faz, pois é óbvio que queremos encher a boca do doce, né?

Infelizmente, isso não foi tudo. A descarada da minha amiga me pediu para prestar atenção em um item da lista em particular, e acrescentou: “você come banana do jeito errado”. Neste ponto preciso explicar: banana é a minha fruta favorita. Eu como pura, amassada com aveia, cozida, frita, grelhada, banana passa, em forma de doce, com sorvete, empanada… eu adoro banana. Não era possível que em mais de três décadas de vida eu estivesse comendo banana do jeito errado esse tempo todo.

Só para explicar para quem nunca viu o famigerado (e afrontoso) post das coisas erradas, ele fala que o certo é descascar a banana pela ponta da fruta, e não por aquele talo que a conecta na penca. Essa tal maneira correta seria baseada na observação de como os macacos abrem a banana.

E daí eu me peguei pensando em acessibilidade. Não em recursos de acessibilidade para abrir uma banana e nem em uma tecnologia assistiva que auxiliasse no descascamento da fruta. Nada disso. Fiquei pensando em como pode ser chato alguém vir nos dizer que estamos fazendo de maneira errada algo que fizemos durante toda a nossa vida. E o pior, se essa pessoa, como acontece muitas vezes, não tivesse conhecimento de verdade de acessibilidade e inclusão, não tivesse contato com pessoas com deficiência que comprovassem as hipóteses dela e tudo mais, e estivesse falando algo que não seja tão verdade só porque ela leu em uma lista na internet. Como você ficaria?

Porém, muitas vezes, ao contrário da banana, nós precisamos abrir a cabeça e aprender, como é o caso da acessibilidade.

O cliente e a consultoria

Trazendo esse pensamento para o dia a dia de uma consultoria de acessibilidade, a gente geralmente vai para as reuniões com nossos clientes para mostrar o que eles estão fazendo de errado. Isso é basicamente um terço do nosso trabalho. Os outros dois são propor soluções e implementá-las. E vou dizer uma coisa: nessas horas, a gente precisa ser muito bom no que faz, muito bom mesmo. Sabe por quê?

Imagina se eu falo para o cliente que ele, um publicitário com mais de vinte anos de carreira, está comendo banana do jeito errado! Você acha que esse cara iria dar alguma moral para o que eu estou falando ou acharia que a nossa consultoria não traz nenhuma informação útil de verdade (exatamente como eu pensei do da lista das 27 coisas)?

Se você não entendeu nada, eu explico: ao contrário da banana, de fato existe o jeito certo de fazer acessibilidade. Existem regras, normas, diretrizes a serem seguidas para garantir a efetividade da acessibilidade. É preciso envolver profissionais com deficiência no processo, para que eles ajudem a pensar nas soluções que melhor lhes sirvam, averiguem todo o trabalho realizado, façam todos os testes necessários. Precisamos eliminar as barreiras de todas as etapas do projeto, sejam físicas, digitais ou atitudinais… um monte de coisas, né?

E o que acontece quando a gente fala com toda a propriedade e conhecimento na hora de apontar o erro?

Khaby Lame e o jeito óbvio de fazer as coisas

Pra gente, a acessibilidade é o único jeito. É impensável que ainda hoje existam estabelecimentos onde um cadeirante não consiga entrar, sites em que um cego não possa navegar com leitor de tela, cinemas onde um surdo não consegue assistir a um filme. As pessoas com deficiência existem, elas estão entre nós, elas estudam, trabalham, lavam a louça, assistem televisão, tomam cerveja no final de semana. Então por que continuar excluindo essas pessoas? Como podemos privá-las do direito de ir e vir, do direito fundamental à informação? De fazer uma compra na internet? De pegar um táxi… é inconcebível, não acha?

Recentemente Khaby Lame ficou famoso na internet fazendo vídeos onde mostrava o jeito óbvio de fazer coisas simples que as pessoas estavam complicando. Você já deve ter visto pelo menos um vídeo dele. Há um em que um homem forte pega uma maçã e a torce com tanta força com as duas mãos que ela se parte ao meio, ao que Khaby mostra que cortar a maçã ao meio com uma faca é muito mais prático, rápido e requer menos esforço.


 

É assim que a gente se sente muitas vezes em relação à acessibilidade. Vou utilizar como exemplo a rampa, porque todo mundo sabe que, a grosso modo, a rampa serve para garantir o acesso de cadeirantes aos lugares, certo? Ok. Agora imagine um restaurante onde logo na entrada existe um par de degraus. Tudo o que me vem à cabeça é o Khaby apontando com as mãos para os degraus e balançando negativamente a cabeça e depois apontando para uma rampa e comprimindo os lábios, mostrando a obviedade da questão: todo mundo poderia entrar no restaurante se ali tivesse uma rampa ou, no melhor dos casos, se o restaurante simplesmente estivesse no mesmo nível da calçada. 

Um exemplo é a WCAG, que explicado nas palavras deles mesmos são “diretrizes e recomendações organizadas e mantidas pelo W3C que fundamentam a construção de conteúdos digitais com qualidade e acessíveis a qualquer pessoa independentemente de sua deficiência e/ou habilidade”. Ou seja, se você quer fazer um site, um aplicativo, uma rede social, vai encontrar lá um material super simples e didático te mostrando como fazer isso de forma acessível, programando com um código limpo e bem feito. E mesmo que exista todo esse material aberto e gratuito na internet, muitos programadores ainda recorrem a difíceis gambiarras no código, criando barreiras e deixando o site inacessível. E novamente o Khaby entra em cena apontando com as mãos para o WCAG! Esse é o jeito certo, pessoal! Ou, pelo menos, o jeito mais certo conhecido até agora.

Moral da história

Sempre que o autor de um texto precisa explicar a moral da história, é porque ele falhou em contá-la direito, né? Eu confesso que me embananei um pouco mesmo (perdão pelo trocadilho). A minha ideia era falar que não tem problema a gente errar, mesmo fazendo coisas que a gente domina. Porém, o mais importante é reconhecer nossos erros e mudar.

Mas é preciso se atualizar, o mundo mudou para melhor, precisamos preparar o terreno para tirar as pessoas com deficiência da invisibilidade forçada que a falta de acessibilidade as colocou.

  1. Se você não faz de forma acessível, você está errado. A acessibilidade é o único jeito de incluir todas as pessoas. Ou você realmente quer continuar conscientemente excluindo uma parcela da população?
  2. Se for pra errar, erre na acessibilidade e não na falta dela. Como eu disse, a gente acredita que exista sim um jeito certo de fazer acessibilidade. Mas não se preocupe, pois existem muitos materiais na internet para te ajudar a dar os primeiros passos na acessibilidade no seu trabalho, na sua empresa, agência… estude estas diretrize e direcionamentos e dê o seu melhor; o que não pode é deixar de fazer.
  3. Se errar, não se preocupe se te apontarem seus erros (aprenda com isso). Nós utilizamos uma metodologia na Sondery em que os nossos clientes se envolvem no trabalho de forma a também aprenderem os processos e diretrizes da acessibilidade, garantindo que os seus trabalhos fiquem cada vez melhores.

 

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